domingo, 19 de dezembro de 2021

 

A FANFARRA DO MARISTA E O CASTIGO MERECIDO

(IVAN PEGORARO)

Passados 59 anos e 1 mês do acontecido, vou contar a história da maldição do Maracanã. A fanfarra do Colégio Marista tinha um único pistão (Trompete) nesta época e era meu, instrumento que não era fornecido pela instituição. Dois anos antes desse fato, um sargento dos Fuzileiros Navais foi convidado para dar uma remodelada na fanfarra que tinha por objetivo dos Irmãos Maristas, ser um ícone em toda região.  E assim o fez, passando a residir no Colégio com a finalidade exclusiva de tratar deste assunto. Apresentou um modelo de uniforme baseado nos próprios fuzileiros, desde o bibico estilo militar,  até as calças brancas com a lista lateral vermelha, ao blusão desta cor com azul forte e o leão nas costas. Concomitantemente, os ensaios eram rigorosos no pátio interno do Colégio, com evoluções complicadas e a maior delas, a formação da âncora durante a marcha. E aí veio a ideia, de se formar a âncora ao som da melodiosa canção “O CISNE BRANCO”. Eu tinha o pistão que servia tão somente como corneta em “si” e não sabia ler, como não sei até hoje, letra de música. (Acho que sou disléxico com relação a notas musicais). Fui chamado pelo sargento que então me indagou se eu poderia tocar aquela marcha, ao que respondi que não, porque não sabia ler pauta de música.  Ele então coçou a cabeça e me disse.  “-Vou lhe ensinar a tocar por número, é fácil” E me ensinou cujo princípio é elementar. O Trompete tem três pistões, por isso ele é chamado de “pistão”.  O primeiro deles mais perto de sua boca é o número 1, depois o 2 e depois o 3. Se durante a música você tem de apertar simultaneamente o 1 e o 3, você tem o 13. Se for o 1 e o 2, tem o 12. E assim por diante as demais combinações.  Aí, fomos durante alguns dias compondo o CISNE BRANCO dentro desta fórmula, anotando tudo no cartãozinho para que eu pudesse então fazer a leitura.  Literalmente composta a música com números, era só treinar, o que fiz do afinco. Participamos naqueles anos que antecedeu 1963 de vários campeonatos de fanfarra, não só no Paraná como nos Estados circunvizinhos. Disputamos um torneio em São Paulo e fizemos várias apresentações no Brasil afora, sempre como muito sucesso. Os comandos para início das apresentações, tipo “atenção” “ordinário” “marche” eram todos feitos ao som do meu trompete. Eu era o pistonista mor, tendo sucedido em 1960/1 o Mathias que também tocava instrumento de sopro.  Arrigo Barnabé publicou há alguns anos uma matéria sobre a fanfarra, sempre pela sua ótica, certamente desconhecendo alguns detalhes que ora apresento. Pois bem em 16/11/1963 foi marcado um jogo no Maracanã, entre Santos e Milan. Foi a final da International Cup, torneio famoso, cujo jogo foi vencido pelo time brasileiro por um a zero. Surpresa absoluta, a fanfarra do Colégio Marista de Londrina foi convidada para fazer a apresentação no Estádio do Maracanã, gloriando a sua mais famosa evolução que era a formação da âncora ao som do Cisne Branco.  Aceito o convite a fanfarra intensificou os seus preparativos fazendo treinamentos diários inclusive em horários extra aulas, e não mais somente aos sábados a partir da 10:00hs. Neste ano (1963) me  envolvi com minha primeira namoradinha e literalmente, nesses ensaios importantes comecei a faltar, e faltei a vários deles principalmente naqueles intensos preparativos para viagem.  Pensava comigo que como o Cisne Branco era tocado pelo meu trompete, eu era insubstituível. Que terrível engano isso me causou e me serviu de lição de vida a qual nunca mais esqueci. Os Irmãos Maristas e o saudoso Battini, nosso técnico, ao perceber que não podiam ficar sem um segundo trompetista já tinham preparado outro componente que estava mais do que apto para me substituir, o que na verdade já tinham feito.  Uns dias antes do embarque os alunos componentes da fanfarra foram avisados de que deveriam comparecer na sala de reunião para receberem as orientações para o embarque. Tipo, horário, o que levar, onde ficar etc.etc. E eu, belo e formoso compareci nesta reunião e ainda sentei na primeira fila.  Todos presentes, adentrou o recinto o Irmão responsável e passou a discorrer sobre a viagem e todos os seus detalhes.  Em seguida, várias perguntas, dali e daqui e tudo esclarecido, diz o Irmão olhando para mim com aqueles olhos que jamais esquecerei: “Há!!! Tem um detalhe. O Ivan Não vai porque está suspenso” Foi literalmente assim a comunicação. O silêncio que já era penetrante, intensificou de tal maneira que até se podia ouvir os ossos do esqueleto se movimentando. E prosseguiu: “-Não vai porque faltou aos ensaios sem justificativa”.  Não abri minha boa, primeiro porque não tinha o que falar, e naquela época sequer se questionava o motivo de qualquer decisão de  um professor Marista. Ao chegar em casa cabisbaixo e profundamente entristecido, comuniquei o fato ao meu pai e minha mãe que ficaram ainda mais decepcionado do que eu propriamente. No dia seguinte, pode? Foram falar com o Bispo Dom Geraldo Fernandes a fim de que intercedesse em prol deste pobre adolescente. O Bispo de fato foi procurar saber o corrido e após conversa com a diretoria, soube que o Reitor lhe disse que se fosse uma ordem eles me levariam, caso contrário não, porque estavam de dando uma lição de vida a servir para todos, inclusive prestigiando aqueles que ensaiaram com afinco.   Obviamente o Bispo justificou que somente estava querendo saber as condições da decisão, mas que estava tudo certo com ela. Não fui ao Maracanã!!!!  

A fanfarra se apresentou e foi um sucesso.  No retorno dela, fui chamado pelo Reitor que me disse que eu estava reintegrado nela, pois minha punição foi cumprida. Mas eu não era mais um  trompetista mor e sim o Mário, aquele que foi preparado à minha revelia para me substituir.  Em meados de 1964, ao participar de um concurso estadual na cidade de Bandeirantes, quando a fanfarra iniciou sua apresentação já formatando a âncora, Mário iniciou o Cisne Branco e como usava um “ponte móvel” nos dentes, essa se quebrou durante o começo da melodia. Ele fez um sinal para mim que prossegui nos acordes até seu final. Deu tudo certo e ganhamos mais um concurso de fanfarras. Com o passar dos anos aquela mágoa profunda que tinha do episódio do castigo, passou a ser um elemento de confiança e passei a entender a razão de ser responsável e cumprir os compromissos. Que outro caminho tinham os Irmão senão me dar uma lição de vida num momento propício como aquele? Fizeram o certo e agradeço por isso. Mas duas consequências precisam ficar registras aqui para a história da fanfarra. Primeira. Depois do episódio onde cobri o Mário terminando os acordes do Cisne Branco, fui novamente promovido como trompetista mor, onde fiquei até final de 1965, quando fui fazer o Clássico do Instituto Filadélfia. Nunca mais faltei aos ensaios. Segundo. Até hoje não conheço do Maracanã. E jamais o conhecerei porque aquele que era para eu ter conhecido, não existe mais.