sábado, 27 de março de 2021

 

O RESGATE DE UMA HISTÓRIA

(Ivan Pegoraro)



Começo de noite de janeiro de 2021, na sala da casa da Maria Amélia, conversamos eu e o Tio Ademar.  Ele já não escuta bem, e eu também não sou um bom ouvinte. Então grita-se daqui e responde-se “heim” de lá e a conversa flui.  Acabamos conversando sobre Olímpia, cidade de onde a família do vô Silvio teve origem, após Giugeppe que veio da Itália, casar-se com Catarina Sartori. Silvio, filho de Giugeppe teve três irmãos, Maria que com dois anos imigrou com seu pai viúvo da Itália e mais Angelim e Tilio. Silvio, após casar-se com outra Maria, esta Brunheira, adquiriu um sítio nesta mesma cidade com 14 alqueires em sociedade com seu irmão Angelim, e mais dois Brunheiras, primos por parte de mãe (Maria), sendo eles Vitório e Eugênio. Nesta propriedade passaram a cultivar uma pequena lavoura de café e milho, além do grande negócio do momento que era uma olaria. As construções de alvenaria estavam de vento e popa e a fabricação de tijolos e telhas era muito rentável. Comercializa-se o produto na cidade e os próprios compradores para revenda ou uso próprio retiravam no próprio local. O ano era 1933 e Silvio e Maria já tinham uma gama de filhos de um total de nove que completariam alguns anos depois. Clarindo com doze anos estudava e morava com a avó Catarina em Itapira.  Dorival com dez, Ormelindo com oito, Ademar com seis, Wanderley com quatro e Luiz com dois completavam o time naquela época. Alguns anos depois, já em Londrina, iria nascer, Alzira, Arlete e Sylvio Jr.  No pequeno sitio as atividades não eram muito diferentes do que é hoje em qualquer comunidade rural. As crianças tinham de caminhar seis quilômetros para frequentar a escola mais próxima, e quando tinham muita sorte, conseguiam uma carona naquelas carroças puxadas por bois que transportavam os tijolos para a cidade, localizada cerca de dez quilômetros do sitio. Depois das aulas, após um farto almoço na base de carne de frango, ou porco produzido ali mesmo, muito milho, arroz, feijão e legumes e ovo frito, a molecada tinha trabalho a fazer. De seis anos em diante tinha de ajudar na olaria, moldando os tijolos nas formas, ou ajudando a acondiciona-los na carroça puxada por três burros para depósito no galpão de curagem. Num certo momento perguntei ao tio Ademar se no sitio tinha rio?  Ele deu risada e falou que obviamente que tinha, pois se não tivesse não haveria como ter olaria.  Me senti como quando juiz indefere uma pergunta minha à testemunha, dizendo, “- Dr. Indefiro, pois é o óbvio.” Então perguntei se a rapaziada nadava no rio ou pescava muito. Ele então respondeu prontamente que sim, mas só nos domingos ou quando não tivesse mais serviço a fazer. Então perguntei-lhe se meu pai, Dorival pescava muito, e ele disse que sim, e falou mais, que Ormelindo era muito chegado a ele e que pescavam sempre juntos. Afinal, como Clarindo estava fora, Dorival era o mais velho com dez anos, e Ormelindo com oito era sua companhia mais próxima.  Neste momento da conversa, já sendo noite, então cravei-lhe uma pergunta de uma história que ao longo dos meus setenta e dois anos sempre me foi contada como sendo verdadeira. Parei um pouco e perguntei-lhe, “Tio, como foi que meu pai com a varinha de pescar, cegou o olho direito do tio Melico (Ormelindo tinha o apelido de Milico ou Melico).   A história desde a nossa infância era de que,  aquele tio que ajudou a nos criar no mesmo terreno onde hoje é meu Escritório, certa tarde de um domingo, voltava da pescaria, e no carreador que dava acesso ao caminho para a casa, tendo meu pai à frente com a varinha de pescar no ombro, inadvertidamente teria perfurado o olho de seu irmão. Essa foi a história do fato, pois desde que nascemos conhecemos tio Melico com aquela deficiência visual, mas que usando óculos teve uma vida normal, dirigindo e cuidando dos negócios da família.  Nas oportunas vezes que assunto veio a baila, a história era essa. Meu pai, com a varinha de pescar teria cegado um olho de seu irmão, Milico.  Mas ao fazer a pergunta para Tio Ademar, hoje com noventa e cinco anos, mas totalmente lúcido e muito inteligente, ele parou um pouco e seus olhos se lacrimejaram e me disse: “-Ivan, a história não foi bem assim. Me lembro como se fosse hoje” “-Então conte “respondi já certo de que ali viria mais histórias.  Então, meio emocionado ele relatou, dizendo que entre a fábrica de tijolos e o barracão de curagem havia um suave aclive.  

Milico estava tracionando, puxando, uma pequena carriola daquelas com três varões, sendo dois nas laterais e um em frente fechando os ângulos. Milico com oito anos dava conta de um número certo de tijolos na carroceria, principalmente levando-se em conta o aclive. Bufando, descalço e puxando a carrocinha, certamente com o esforço não percebeu quando Dorival, por trás gritou-lhe algo e correndo, pulou na traseira da carriola.  Ao lançar seu peso na parte de trás, a carriola empinou e o varão atingiu o olho de Milico, que imediatamente gritou de dor, pulando desesperadamente com a mão no lugar ferido. O sangue jorrou.  Ademar que estava por ali assistiu a tudo e foi, portanto, testemunha ocular do acontecido. Silvio, pai dos garotos, meu avô,  também assistiu a terrível cena e imediatamente apanhou do gancho da parede do barracão, um cinto de apertar a barriga do cavalo quando encilhado e partiu em direção à Dorival. Enquanto isso, Milico pulava e gritava de dor. O pessoal da fabricação correu para ajuda-lo, enquanto Dorival era barbaramente espancado com o cinto de amarrar cavalo, e também gritava.  Tio Ademar, emocionado no relato, abre os olhos ao lembrar e verbalizar disse: “-Eu corri pro mato me esconder de medo de também apanhar”.  Silvio não teve piedade e movido pelo desespero do outro filho ferido e sangrando pelo olho continuou a bater em Dorival até este ficar caído no chão poeirento daquele sítio de quatorze alqueires.  Vó Maria, veio correndo da casa onde atendia aos afazeres domésticos e bravamente enfrentou Silvio gritando para este parar o martírio, que suando e esbravejando, suspendeu a surra enquanto, Dorival gemia de dor. Passado o primeiro impacto que atingiu a todos pela violência e superada as primeiras emoções, resolveu-se que algo tinha de ser feito. Preparou-se então a charrete que a família possuía e rapidamente Vô Silvio desesperado com o sofrimento de Milico e mais alguém que o acompanhou, levaram Milico para o Hospital de Olímpia, que recomendou fosse transferido imediatamente para Campinas.  Os 350 quilômetros de distância entre as duas cidades pela Companhia Mogiana de trens foram vencidos em pouco mais de sete horas.  De manhã do dia seguinte ao triste acontecimento Milico foi internado na Santa Casa e passou por cirurgia corretiva, que infelizmente, dado as alternativas da época, talvez, não conseguiu evitar o mal maior, da perda da visão. Milico permaneceu no hospital por alguns dias e em seguida foi alocado numa pensão, onde ficou sozinho por mais um par de semanas, enquanto vô Silvio retornou para Olimpia. Conta Tio Ademar, que as contas da pensão atrasaram e tio Milico já meio recuperado teve que vender jornal na rua para não ser despejado.  Mais tarde, as contas foram pagar sem que se ficasse nenhum tostão em débito. Dorival se recuperou da surra que levou, com certeza,  jamais ter esquecido do mal que causou ao seu irmão. Quem consegue estimar a tristeza e o arrependimento daquele irmão que por uma brincadeira insensata prejudicou para sempre a visão do seu companheiro, que o foi, por toda a vida. Quem consegue estimar quantas surras Dorival não tomaria de bom grado para poder retornar no tempo e não dar aquele pulo maroto e despropositado que deu.   Meu pai era meio triste.  Jamais entendi bem aquela fisionomia as vezes distante que o abatia quando sozinho.  Mas tenho certeza de que se mágoa ele tinha, não foi da surra que levou, e sim do ferimento que causou ao seu irmão.  Ambos hoje estão num plano maior, todos juntos, aliados e muito bem. Afinal, tudo que aconteceu, aconteceu porque muito amor existia entre todos.



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domingo, 21 de março de 2021

CRIANÇA AUTISTA TEM COBERTURA TOTAL DOS PLANOS DE SAÚDE

 

CRIANÇA AUTISTA TEM DIREITO A COBERTURA TOTAL DOS PLANOS DE SAÚDE.

(Ivan Pegoraro)

Os planos de saúde têm com seus associados uma relação de consumo segundo a Súmula 606 do STJ. No caso uma operadora negou tratamento a uma criança autista de cinco anos. O tratamento médico recomendado seria terapias específicas, como psicóloga, terapeuta ocupacional e fonoaudióloga, tudo como constou do laudo médico. O Plano de Saúde, após muita insistência por parte da mãe da criança, logrou obter a indicação de uma entidade, que, não possuía meios para atender aquela prescrição.  Partiu então para a Justiça, pleiteando a criança que lhe fosse assegurado o tratamento com urgência. O Plano contestou a ação, alegando, em resumo, que o plano contratado tem cobertura para tratamento terapêutico, mas nas formas convencionais. Disse não haver ilegalidade na negativa de fornecimento de sessões acima do limite estabelecido no contrato e que não tem obrigação de arcar com tratamento fora da sua rede credenciada. Pontuou que o tratamento pretendido tem causado grande desequilíbrio contratual e requereu a improcedência do feito. O tema debatido foi então encaminhado ao juiz para análise do pedido e seu julgamento. De fato, a Lei 12.764/2012 que dispõe sobre a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, estabelece, de modo especifico, que a eles deve ser dedicada ATENÇÃO ESPECIAL, de modo a proporcionar-lhe o pleno acesso (não restrito) a ações e serviços de saúde, com vistas à ATENÇÃO INTEGRAL ÀS SUAS NECESSIDADES DE SAÚDE, isso mediante ATENDIMENTO MULTIPROFISSIONAL, visando a que venha a ter um “livre desenvolvimento da personalidade” e que venha a ter uma “vida digna”, com “integridade física e moral”, conforme preceitua o art. 3.º, I, da referida Lei. Dispõem os art. 2º, inciso III e 3º, inciso III, letra b, da Lei12.764/2012: “Art. 2º São diretrizes da Politica Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.  O Autista é considerado como deficiente para todos os efeitos legais, nos termos do artigo 2º da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), especialmente no que diz respeito à tutela protetiva.   

Neste sentido o juiz determinou que o Plano de Saúde assumisse todos os tratamentos necessários em sua rede conveniada, e não sendo possível nela, por ausência ou inexistência de prestador credenciado, a requerida deverá oferecer o serviço nos termos da Resolução Normativa 259/2011 da ANS, assumindo todos os custos. Ou seja, pagando diretamente ao prestador do tratamento, dependendo das circunstancias, garantindo transporte de ida e vinda até o local. Enfim, resumindo, o Plano de Saúde deve assumir esses custos, todos e responsabilizando-se pela logística para sua aplicação. O processo em tela, da do Estado de Justiça de São Paulo tem o número  1002366-69.2020.8.26.0268.

domingo, 14 de março de 2021

O RETORNO AO SOBRENOME FAMILIAR DA MULHER SEM DESFAZIMENTO DO CASAMENTO

(Ivan Pegoraro)

A mulher se casou e adicionou ao seu nome, o sobrenome do marido. Contudo, no transcorrer da convivência, o seu  passou a acarretar-lhe abalos, psicológico e até emocionais haja vista que sempre fora conhecida pelo sobrenome de sua família. Não conseguiu se adaptar a este novo nome. Ainda segundo ela, o sobrenome do marido acabou por prejudicar a sua própria identidade tornando-se mais importante em sua identificação civil em detrimento do próprio sobrenome familiar, notadamente pelo fato de que sempre foi conhecida pelo sobrenome do pai, sendo ademais  ele e ela -até então- que ainda carregavam o patronímico familiar, estando aquele em grave situação de saúde. A Ministra Nancy Righi do Superior Tribunal de Justiça – STJ – que recorrentemente tem decidido com grande demonstração de conhecimento jurídica que extrapola a simples letra da lei, ponderou que "Dado que as justificativas apresentadas pela parte não são frívolas, mas, ao revés, demonstram a irresignação de quem vê no horizonte a iminente perda dos seus entes próximos sem que lhe sobre uma das mais palpáveis e significativas recordações – o sobrenome –, devem ser preservadas a intimidade, a autonomia da vontade, a vida privada, os valores e as crenças das pessoas, bem como a manutenção e a perpetuação da herança familiar”.  Ponderou ainda a ministra que faz parte da história e da tradição que uma pessoa, geralmente a mulher, que abdique de parte significativa dos seus direitos de personalidade para então adotar, incorporar o sobrenome do cônjuge após o casamento, adquirindo desta maneira uma denominação que jamais lhe pertenceu e, desta forma, transformando a sua própria genética familiar. Prossegue a ministra: "Todavia, é indiscutível que a transformação e a evolução da sociedade em que vivemos colocam essa questão, a cada dia, em um patamar de muito menor relevância e, mais do que isso, a coloca na esfera da liberdade e da autonomia da vontade das partes, justamente porque se trata de uma alteração substancial em um direito da personalidade, indissociável da própria pessoa humana".  Na análise do acórdão, há ainda argumentos de que não se tratou neste caso de mera vaidade por parte da mulher, mas sim demonstração cabal de que o uso do sobrenome estava efetivamente abalando o seu emocional, ingressando na esfera do direito de personalidade não havendo após a substituição de seu sobrenome, qualquer prejuízo com relação a terceiros, principalmente porque a mulher ainda poderá ser identificada pela sua RG e ou CPF.   Na verdade, este direito perquirido e reconhecido pode ser buscando sempre que houver demonstração de que para a mulher (ou para o homem se ele passou a usar o sobrenome da mulher) o seu uso esta afetando a normalidade de sua vida, muito mais do que pudesse retornar ao estado anterior. Mas, sempre é importante registrar que para cada caso, se deve analisar isoladamente a situação. Não é também demais lembrar que neste caso o casal não estava litigando entre si. Tudo estava e está bem entre eles. A questão é exclusivamente o retorno ao sobrenome familiar da mulher. O número deste processo não pode ser divulgado porque tramitou em segredo de justiça.


sábado, 6 de março de 2021

 CONDOMÍNIO PODE PROIBIR DE DESCER NO PÁTIO PARA TOMAR                                                                   SOL?

(Ivan Pegoraro)

Alguns condomínios estão proibindo as pessoas de descerem no pátio para tomar sol com suas crianças. O absurdo chegou ao limite supremo, passando o síndico e seus conselheiros a se investirem de verdadeiros ditadores, com ameaças de multas e outros constrangimentos. Não há na lei, ou nos decretos, estadual ou municipal, do Paraná e Londrina, qualquer proibição disso. As pessoas podem sim, descer no pátio e tomar o tão necessário raios solares com suas crianças.  O Decreto Estadual de nº 6983 de 28 de fevereiro último (2021-PR) em seu artigo 2º estabeleceu que, “no período das 20 horas às 5 horas, diariamente, restrição provisória de circulação em espaços e vias públicas.” Isso quer dizer, primeiro, que a proibição atinge somente os espaços e vias públicas; segundo, o horário de restrição é noturno, portanto, sem sol. Já o Decreto Municipal que presentemente regulamenta o combate do coronavirus na cidade de Londrina, é o de nº 1352 de novembro de 2020. E no tocante aos condomínios, consta “Art. 25. Permanece proibida a realização de partidas esportivas e quaisquer outras atividades similares, em local aberto ou fechado, em espaços públicos ou privados, inclusive em condomínios horizontais e verticais, associações e congêneres.” Agora, desde quando que descer no pátio do prédio se caracteriza como prática de atividade que se assemelha a partida ou atividade similar esportiva? Ainda que as crianças venham a correr, andar de patinete ou outro equipamento qualquer. Diferentemente de uma “partida esportiva”  onde se pressupõe regras, normas e espaços definidos, a brincadeira de crianças não está restrita a essas condições, sendo um absurdo total querer confundir ou assemelhar este lazer praticado pelos  infantes com aquela disputa esportiva onde um ganha, perde ou empata.  Os dirigentes dos condomínios e seus conselheiros perderam a noção. Ou se acovardam diante da necessidade de interpretar a norma legal, preferindo lavar as mãos e proibir tudo como se tivessem este direito?  Ora, o distanciamento social é a regra, seguindo com outros cuidados normais, como usar máscaras e lavar as mãos.  Proibir o condômino de usar o seu espaço comum, de modo familiar quando se tratar de ambiente fechado, com horário marcado, ou o pátio aberto com aquele distanciamento é atitude esdrúxula, ilegal, impertinente, despropositada e principalmente irrazoável. O Síndico pode muito, mas não pode tudo. O direito de propriedade de sobrepõe a essa questão, notadamente com relação ao direito de tomar sol.  Se o Síndico ameaçar de multa, tudo bem. Exercite você o seu direito do contraditório e busque a justiça para anular este penalização incabível e ilegal.