quinta-feira, 28 de novembro de 2019


A  PRAIA  DE  OMAHA – 4.500  MORTOS
(Ivan Pegoraro)

Lanchas de desembarques







Era uma tarde de quinta-feira, mês de maio de 2009. O dia era cinzento, frio e sem sol e com algum vento vindo do mar. As características eram de chuvas.  Estacionamos o veículo para visitar aquela praia onde o silêncio falava mais do que um milhão de palavras. Tive a impressão de ouvir um trovão como se fosse um rugido de canhão. 
Praia de Omaha




Há 64 anos, com certeza aquele seria um tiro de canhão. Senti um arrepio da espinha dorsal enquanto caminhava em direção as falésias (despenhadeiros) com cerca de 45 metros de alturas. Na sua borda, uma escada em ziguezague levava até a praia. Descemos ouvindo tiros, gritos, ordens, lamentos, guinchos e rajadas.  Parei um pouco o sacudi a cabeça, pois estávamos ali apenas nós três. 

Soldados sendo atendidos

Eu, minha esposa e meu filho Bruno.  Não havia gritos, nem lamentos, nem tiros e nem rajadas.  Era minha imaginação que trazia até os meus olhos a cena dantesca daquele dia 6 de junho de 1946, quando as tropas americanas desembarcaram na Normandia, França, na praia de Omaha, um dos cinco setores destinados à invasão dos aliados para recuperar o território francês do poderio alemão. Embora toda a operação de desembarque denominada de Overlord tenha sido ao final do período um grande sucesso pelos aliados e que levou a libertação da França, o desembarque propriamente dos americanos na praia de Omaha – nome em código da sua área destinada ao  desembarque, não teve assim um grande sucesso por vários fatores. Na verdade, todo o projeto saiu praticamente errado. Dificuldades imensas na navegação das lanchas de desembarques fizeram com que os pontos pré-determinados errassem seus destinos, pois chovia e ventava muito. A linha de defesa dos alemães, exatamente postados no cume das falésias, ali de onde olhei espantado para baixo quando cheguei, era espantosamente pesada e dada a sua condição infligiram aos soldados americanos baixas terríveis, matando soldados a granel. Muitos morriam ao deixar as barcaças atingidas pelas metralhadoras ponto 50, cortando-os ao meio. Na praia, caminhei naquela areia onde tantos corpos caíram. Olhei para cima criando a figura da defesa preparada pelos alemães e senti todo o impacto terrível que aqueles soldados, fossem eles praças, sargentos ou oficiais, sentiram ao se depararem com aquela tragédia anunciada. Entre 4.500 e 5.000 homens perderam suas vidas naquele dia naquele local.  Foi um banho de sangue numa área não maior do que oito quilómetros de extensão. 


Avião de caça P-47 Thunderbolt

De repente, caminhando sozinho por um trecho da praia, ouvi ao longe um ronco de um avião, que foi se aproximando aos poucos.  Estava baixo, na altura do topo das falésias, mas vinha pela praia. Era um P-47 Thunderbolt, avião de caça utilizado pelos americanos e também pela Força Aérea Brasileira.  Certamente um colecionador. Bem onde estávamos o avião balançou as asas para a esquerda e para a direita várias vezes. É o cumprimento que um piloto faz quando em voo ou quando quer prestar uma homenagem.  Naquele momento vi a história real. Um avião da época, num ronco verdadeiro. Fiquei olhando até desaparecer de vistas. Apanhei um pouco de areia e segurei durante alguns momentos, cônscio de que ali, naquele local uma nova era começou.  Soltei a areia, olhei para minha mulher e meu filho e disse. Vamos...!!!! Mas minha voz quase não saiu. Mas os dois entenderam. E fomos.


O silência da Praia de Omaha




Praia de Omaha e as falésias


quarta-feira, 20 de novembro de 2019


POSSO ALTERAR MEU NOME?
(IVAN PEGORARO)






Se o indivíduo estiver insatisfeito com o seu prenome – aquele que antecede o apelido da família – pode até um ano após completar a maioridade requerer a sua alteração de forma desmotivada. Por exemplo, se ele se sente infeliz de se chamar JOSÉ DA SILVA pode alterar este nome para ALEXANDER DA SILVA se isso lhe fizer bem, desde que mantido inalterado o sobrenome, obviamente. É o que diz o artigo 56 da Lei de Registro Públicos cujo teor é o seguinte: “Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.” Passado este período de um ano após a maioridade, a alteração passa a ser incerta, porque se tem de demonstrar o motivo, justificar o pedido e deve ser aprovado pelo Ministério Público. Com efeito, assim define o artigo 57 daquele mesmo diploma legal, “A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei. “ O nome do indivíduo integra a sua personalidade e exerce funções muito específicas de individualização e também de sua identificação, não só com relação aos seus direitos e também de suas obrigações que mantem perante a sociedade em geral. O sobrenome por sua vez é imutável conforme ficou decidido junto ao STJ, que firmou posicionamento: Inviável a alteração de sobrenome quando se tratar de hipótese não prevista na legislação brasileira. O art. 56 da Lei de Registros Públicos autoriza, em hipóteses excepcionais, a alteração do nome, mas veda expressamente a exclusão do sobrenome. Agravo regimental desprovido.” (AgRg. na SEC 3999, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 7/5/12. Enfim, o rigor que existia no passado quanto a imutabilidade do nome, hoje está razoavelmente relativizado, inclusive podendo acrescentar o apelido pelo qual você é socialmente conhecido. Nomes que causem constrangimentos, a qualquer momento podem ser alterados porque se enquadram naquela possibilidade antes mencionada. É certo que cada caso deve ser analisado e justificado o pedido perante o juiz, que, se convencendo do alegado determinará a alteração. O processo é fácil, não demanda tempo e certamente trará ao interessado uma melhor relação com a sociedade em geral e principalmente consigo próprio.





domingo, 17 de novembro de 2019


UMA  INCRIVEL  COINCIDÊNCIA  
 FAMILIAR

(Ivan Pegoraro)

Arlete, Clóvis e o Gordini
Fusca 1200 1963
Para a mais fácil compreensão da história que irei contar fato verídico, é necessário conhecer os personagens e sua ligação com este que o relata.  Vamos então distribuir esses participantes em dois grupos, sendo o primeiro, ARLETE PEGORARO e seu marido Clóvis Carneiro,  ela minha tia por parte de pai.      O segundo, ROBERTO VENTURA, já falecido,   meu primo irmão, por parte de mãe e seus amigos que participaram do ocorrido.  Pois, bem! O dia 17 de dezembro de 1963 foi uma terça-feira de verão espetacular. O casamento de Arlete com Clóvis foi marcado nesta data porque o natal já se anunciava e a semana era preguiçosa, possibilitando que parentes de fora também viessem prestigiar aquela tão esperada cerimônia.  Após o enlace – no dia seguinte -  coberto com o glamour da época, o jovem casal embarcou num Gordini cinza do ano e lançou-se numa viagem espetacular em direção a Bahia para curtirem fervorosamente a sua lua-de-mel.  O destino escolhido tinha uma razão; além de Clóvis levar sua amada em direção ao misterioso e atraente Nordeste, sua família era toda originária daquele Estado, mais precisamente de Feira de Santana.  Além de curtirem as praias maravilhosas da Bahia, Clóvis iria apresentar a sua formosa esposa aos seus parentes, a maioria, que não pode comparecer ao casamento. Os 2.250 quilômetros mediados de Londrina àquela cidade não seria nada, comparado a aventura da viagem. Gordini era o carro da moda. Pequeno, versátil com um bom quebra-vento e 37 cavalos de força.  Se comparado com ao Ford Fuzion que tem 143 cavalos, você leitor terá como avaliar o desempenho deste espetacular carrinho dos anos sessenta.  O casal chegou à Bahia três dias depois sem qualquer problema e lá aproveitaram o máximo as belezas naturais, e principalmente a convivência curta com os novos parentes de Arlete. No dia 23 de janeiro de 1964, mais de um mês depois de terem partido de Londrina, iniciaram de madrugada o retorno via Rodovia 116, em direção à Teófilo Otoni em Minas Gerais. Jornada de aproximadamente 750 quilômetros onde pretendiam pernoitar.  De lá o caminho natural único seria São Paulo Capital, em seguida a Rodovia Raposo Tavares em direção ao Paraná.  Também no final do ano de 1963,  ROBERTO VENTURA, IVAN FUGANTI  e um terceiro amigo, todos também residentes em Londrina, e conhecidos do primeiro grupo, também embarcaram num potente Fusca do ano, de cor verde pastel de propriedade do primeiro, com irresistíveis 36 cavalos de força e foram aventurar também no Nordeste, numa viagem que emplacaria vários Estados daquela região. Os grupos não sabiam do destino um do outro, sequer que iriam viajar na mesma direção. Roberto e seus amigos aproveitaram o máximo que a juventude dos vinte e poucos anos podia favorecer, e depois de desgastados de tanta fartura de lazer, também resolveram retornar para Londrina. A Bahia já tinha dado tudo que podia àqueles alegres rapazes pés-vermelhos. Agora, era retornar simplesmente.       Clóvis por sua vez, saindo de Feira de Santava dirigia há mais de 11 horas e o calor era infernal. O radinho AM já pegava as rádios de Teófilo Otoni e Roberto Yanes fazia sucesso cantando Sabrás Que Te Quiero.   Já perto do primeiro destino de parada que seria Teófilo Otoni, escurecendo,  a chuva e o vento próprio das mangas d’águas de verão começou a castigar a rodovia tornando-a perigosa dado aos fluidos deixados por caminhões na pista,  aliado aos pedriscos que voavam a toda força, agravado pelos pneus fininhos do garboso Gordini. A parte da estrada naquele momento era de ribanceira no lado direito da direção tomada por Clóvis, que dirigia com cuidado.  Arlete preocupada mantinha sua atenção total na pista, ajudando a desembaçar o para-brisa de seu lado e articulando palavras de apoio. Não é preciso dizer que ar-condicionado não fazia nem parte do repertório do brasileiro. O único existente em Londrina era do Cine Ouro Verde. De repente uma curva à esquerda obriga uma pequena pisada no freio e o carro se descontrola momentaneamente o suficiente para se desgarrar da pista, fazer um cavalo-de-pau e se lançar de frente em direção a ribanceira. Arte grita; Clóvis berra: - ÔXENTE -.   Cinto de segurança era ainda uma utopia existente apenas nos aviões. Arlete arregala os olhos, enquanto que Clóvis agarra o volante com sua força viril. E o garboso Gordini bate de bico no fundo do precipício uns 4 metros abaixo, após levar consigo uns tantos galhos e pequenas árvores que amorteceram a pancada que poderia ser fatal. O motorista ficou preso no volante e lutava para sair daquele embaraço. Arlete desesperada sai pela janela, e gritando começa a escalar o barranco, suja de barro com a água da chuva caindo pelo seu rosto.  Atinge a borda do precipício, se levanta e com os dois braços agitados, sem sapatos, e com a blusa rasgada se sacode e pede socorro ao primeiro veículo que passa por alí.    Um fusca verde vem vindo com as luzes acessas.  Arlete grita e o veículo para em sua frente. E ela vê placa com inicio 15. Placa de Londrina.  Não acredita, pois sendo de sua cidade já era um conforto, tão longe de seu destino.  A porta se abre, desce Roberto Ventura, e Arlete grita: - Roberto, não é possível. Socorro, Clóvis está preso lá em baixo. -  Todos descem e socorrem Clóvis ajudando-o a sair do veículo. Nada de grave, pequenas escoriações e muito susto imediatamente aliviados pela presença de três conterrâneos, todos conhecidos, até amigos, sendo que Roberto, como disse no começo, é primo do sobrinho Ivan, e naquela Londrina de 1963, todos se conheciam e até conviviam nas festas e outras atividades, como por exemplo, frequentar o Country Clube.  Todos acalmados e surpresos que o acidente tenha se limitado ao Gordini, nada mais podia ser feito ali naquele momento. Embarcaram todos no Fusca 1200 do Ventura e ainda levaram as malas do casal. Como isso tudo coube no valente fusca e como conseguiu rodar até chegar a Teófilo Otoni a história não conta.  Mas dá para imaginar. Arlete no colo de Clóvis; Roberto Ventura dirigindo e Ivan Fuganti na frente, e ao lado do casal, o terceiro personagem, cujo nome precisa ser resgatado por alguém que vier a ler este relato. Acrescentarei posteriormente seu nome.   Os amigos deixaram o casal no hotel e seguiram viagem, após terem a certeza de Clóvis de que daria sequencia no dia seguinte para resolver o problema do Gordini no fundo da vala.  De fato, no dia seguinte, contrataram um caminhão guincho que conseguiu retirar o veículo daquele buraco infernal. Pasme os senhores que o Valente Gordini, fez valer a sua fama de carro robusto, forte e intrépido. Todo amassado, até meio torto, conseguiu retornar até São Paulo. Levou uns dois dias, mas chegou!!   Deu trabalho convencer a Polícia Rodoviária e rodar daquele jeito; mas, Clóvis e Arlete com a graciosidade de um jovem casal retornando de lua de mel, conseguiram o intento.   Arlete sabendo que Hélio Solci, seu cunhado estava em Praia Grande no litoral, fez contato por telefone e pediu um segundo socorro, porque se constatou que o Gordini estava desmanchando e não ira conseguir chegar até Londrina. Piloto que era e tinha seu própria avião, prefixo   PT-APM, não se fez de rogado e deu-lhes uma segundo presente de casamento, trazendo-os em grande estilo até a Capital Mundial do Café – que então detinha este nome nossa cidade – a bordo daquele famoso Cessna.  A família de Arlete, todos preocupados e aliviados foram ao aeroporto receber o jovem casal, que desceu do avião acenando como personagens principais de uma grande aventura.  De resto, Ventura e os amigos, terminaram o retorno sem nenhuma intercorrência. Nos encontros das famílias, só se falava de grande coincidência.  Já imaginaram isso. A pessoa cai em um barranco nos Confundó do Judas. Sobe a ribanceira para pedir socorro; o primeiro carro que passa é um amigo e quase parente. Isso sim é coincidência.

domingo, 10 de novembro de 2019


É  CORRETO  GUARDA  LUGAR  PARA  QUEM  NÃO  ESTÁ PRESENTE?
(Ivan Pegoraro)





Em um recente evento privado, com números de lugares limitados, me deparei com uma situação ao menos inusitada senão constrangedora e que teve a particularidade de despertar em mim a análise do direito em função do ocorrido. Chegando ao local exatamente no horário marcado, todos os lugares estavam “reservados” com lenços, blusas, bolsas, paletós e outros apetrechos. Isso quer dizer que existiam retardatários. Cada fila tinha mais ou menos dez cadeiras, e em algumas delas – das filas -  mais da metade – das cadeiras - estavam “reservadas”. Você então olha para esta fila, depois para a outra, vai até a frente, volta,  e recebe daqueles que estão sentados um olhar desprovido de sensação, tipo, - considere que o espírito que ainda não chegou, está sentado aqui.  Aí então, você recebe uma carga de embaraço, sem saber o que fazer e como se o local estivesse absolutamente silencioso, vai para o fundo do salão envergonhado parecendo que todo mundo te olha penalizado.  E as cadeiras vagas continuam ali, ocupados pelo espírito ausente.  É preciso dizer que este comportamento, salvo se os ingressos forem com lugar marcado, é uma tremenda falta de educação, falta de socialização e falta de consideração com os demais convidados que chegam no horário. Se a cada vez que aquele que marca lugar, lembrar-se que sua idiossincrasia está sendo observada, criticada e não contestada ali por uma questão de civilidade do ofendido, pode ser que comecemos quando da leitura deste artigo, deixar de marcar lugar para o retardado, seja ele, parente, amigo ou a pedido de quem quer que seja.  O direito do convidado presente  de  sentar no lugar vago esta incluído no chamado direito consuetudinário, ou dos usos e costumes. Os costumes são a maneira cultural de uma sociedade manifestar-se. A partir da repetição, constituem regras que, embora não escritas como as leis, tornam-se observáveis pela própria constituição de fato da vida social. Ora, se no auditório existem lugares vagos, esses devem ser preenchidos, ou usados por quem está presente, já que a reserva por aquele que colocou um apetrecho no assento, implica na posse indevida por este mesmo sujeito de mais um lugar. Ele, esse sujeito, está retirando daquele presente, o direito de ocupar aquele lugar, vago e que não possui “dono”.  O que fazer nessa situação?  É verdade, tem de ter muita personalidade para aquele que esta procurando um lugar, pedir licença e se sentar independentemente do alvoroço que o “guardador de lugar” vai fazer. – Está reservado.  Vai dizer o procurador do espírito ausente.  Você então terá de dizer.  Aqui é proibido guardar lugar.  Ou  - ­Tenho o mesmo direito do ausente e vá para o diabo que os carregue.  Em seguida, certamente nada acontecerá a não ser ficar o guardador xingando ao léu, sem que tenha nenhum direito para respaldar sua atitude antissocial.  Quando você esta em uma fila esperando ser atendido no caixa do banco, ou para entrar no ônibus ou para comprar um ingresso, é costume você ir para o final e aguardar a sua vez.  Experimente furar a fila para ver o que acontece. Ficar do lado direito da escada rolante e não  pisar na grama do jardim e tantos outros exemplos corriqueiros do dia a dia se enquadram  no direito consuetudinário, ou do uso e costumes.  Inclusive de sentar na cadeira de qualquer local em que esteja sendo realizado um evento a despeito de alguém estar guardando o lugar.  Obviamente se for lugar previamente marcado, não haverá porque guardar.  Pense bem na próxima vez que você agir desta maneira ao se tornar o procurador do espírito ausente. Isso não está correto. É falta de civilidade e de boa educação.  Há sim !!!! Com relação ao evento que participei, um casal de amigos que estava com os filhos, diante do embaraço que perceberam, gentilmente pediram para os filhos pequenos cederem seus lugares para nos – eu e minha esposa - pudéssemos sentar.  Os infantes se acomodaram por ali, e todos assistiram ao show.   O episódio me deu a oportunidade de mentalizar essas  linhas. É correto guardar lugar em detrimento a pessoa presente?  Não! Claro que não.  Ofende o direito consuetudinário.

sábado, 9 de novembro de 2019



AS  CHUVAS  TORRENCIAIS  CAUSARAM  DANO  AO  IMÓVEL ALUGADO. E  AGORA.
(Ivan  Pegoraro)


O imóvel ocupado em regime de locação, em virtude das chuvas torrenciais que caíram sobre a cidade de Londrina nesta última semana, foram tão intensas que inúmeros imóveis sofreram danos de variadas intensidades. Em um deles as águas desceram pela rua transversal, invadiram a calçada frontal, passaram pelo terreno vazio em declive, represaram em seu fundo formando uma piscina e em seguida, romperam  o muro que as retinha, e invadiram a casa vizinha, alugada quebrando tudo e enchendo de terra e lama, móveis, equipamentos, roupas, livros e tudo mais. Foi impossível sequer adentrar nos cômodos para analisar e fotografar os estragos tamanhos eram as poças de barro em todo piso. Ninguém se feriu, mas as perdas foram totais. Agora se discute quem responderá pelos prejuízos.  A questão não é tão simples e sempre recomendamos que nessa situação seja imediatamente contratado um engenheiro a fim de que possa analisar as várias vertentes para elaborar um laudo técnico. Em princípio, este documento apresentará uma conclusão dos fatos, podendo até apontar um ou mais responsáveis. No caso relatado, é necessário perceber a existência de vários personagens que irão disputar entre si a responsabilidade pelo prejuízo sofrido pelo inquilino.  São eles, esses personagens que farão parte do elenco que disputará entre si, quem acabará sofrendo os rigores da lei. Primeiro,  a imobiliária ?; Segundo  o dono da casa ? ;  Terceiro;  o dono do terreno vizinho superior de onde veio as águas ? ;  Quarto: o município ? ;  Quinto  a natureza ?   Portanto através da apresentação deste time já se consegue concluir que os interesses são variados e a única vítima direta e imediata no relatado é o locatário. É desnecessário dizer que a obrigação do locador, o dono da casa, é entrega-la em condições de ser ocupada.  Ao inquilino cabe mantê-la com condições.  Presentes esses dois baluartes, de pronto fica mais fácil avançar na responsabilidade.  A imobiliária comparece na relação jurídica travada como mera administradora e procuradora do locador proprietário, e desta forma não lhe cabe nenhuma responsabilidade pela ocorrência relatada acima. Ofereceu um produto adequado, com vistoria feita que veio a sofrer um dano, e aos ocupantes,  em decorrência das chuvas intensas e rompimento do muro divisório. A análise técnica ou pericial deverá apontar se havia defeito, entupimento ou falta de dimensionamento das boca-de-lobo na rua de cima, permitindo a invasão da calçada e consequente escorrimento pelo terreno vizinho, formando o bolsão de água nos fundos.  Se ficar demonstrado que esta foi a causa primária, a conclusão não será outra senão a responsabilidade do município.  Por sua vez se ficar constatado que o terreno vizinho não possui muro e nem mureta que poderia ter desviado essas águas novamente para o meio-fio, a culpa ai poderá ser concorrente entre o município e o dono do terreno.  O locador, proprietário da casa, até poderá ser responsabilizado se ficar demonstrado algum vício de construção do muro, contribuindo para que  a água da chuva não escoasse ou mesmo falta de dimensionamento em sua construção.  Neste caso, somar-se-á aos dois mencionados, mais ele.  Agora, a última parte envolvida é a natureza.  Suponhamos que no fato acontecido as bocas-de-lobo estavam em perfeitas condições e a invasão das águas tenha ocorrido em virtude da situação excepcional das chuvas, torrenciais e anormais, além do previsível e portanto inesperada.  A lei civil prevê esta hipótese entendendo que  quando caracterizado a força maior ou o caso fortuito, não há responsabilidade de nenhum dos envolvidos. Especificamente o caso fortuito, é uma expressão que significa uma ocasião ou acontecimento que não pode ser previsto e que causa uma consequência. O uso deste termo é muito comum no âmbito do Direito. É usado para se referir à ocorrência de uma situação imprevista que altera a situação jurídica, como no caso de um contrato, por exemplo. Bem por isso o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais julgando processo com idêntica discussão decidiu: “Restando demonstrado a ocorrência de caso fortuito e inexistindo prova acerca da culpa do locador pelo desabamento de parte do imóvel, incabível a sua condenação no pagamento de indenização pelos prejuízos sofridos pela locatária. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.12.051503-6/001, Relator (a): Des.(a) Estevão Lucchesi , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/11/2017, publicação da sumula em 24/11/2017)  É preciso saber que tempestade é a violenta agitação da atmosfera, acompanhada de meteoros como chuva, granizo, relâmpago e trovões. A tempestade não se confunde com ventos fortes, nem com tornados: enquanto aqueles têm velocidade do vento entre 7 e 44 km/h, a tempestade varia de 60 a 90 Km/h, pelo que nos informa a ESCALA DE BEAUFORT, causando inevitavelmente danos às construções e ao meio ambiente em geral. Partindo da análise primária e admitindo-se que tudo o mais estava certo, pode-se admitir, pois a origem dos danos aqui analisados possa ter sido a consequência de fenômeno natural, independentemente da vontade das partes, de modo que o dever de indenizar não surge para qualquer uma das partes envolvidas. É que o efeito do caso fortuito ou da força maior é isentar o devedor de qualquer responsabilidade pelo descumprimento de sua obrigação.  Neste caso, portanto se o evento foi a natureza, o locador deverá recuperar o seu imóvel sob suas expensas; e o locatário deverá suportar os seus prejuízos também sob suas expensas. Evidentemente, perdendo o imóvel a sua condição de habitabilidade, extingue-se também o contrato de locação. As obrigações contratuais, aluguel e iptu se houver, incidirão até a data do evento. E obviamente como nenhuma das partes deu causa a esta extinção, nenhuma multa será devida entre eles.  Portanto, dada a imprevisibilidade e a inevitabilidade do fato gerador dos danos resta prejudicado as responsabilidades, o locador - no dever de conservar, durante a locação, as condições de habitabilidade do prédio, e o locatário - em seu dever de restituir a coisa no estado em que a recebeu. Em suma, diante de uma tragédia desta magnitude, o primeiro passo é acionar o engenheiro para elaborar o laudo e apontar a causa. Dê-me a causa e eu te direi quem é o responsável, se houver.





domingo, 3 de novembro de 2019


MORDIDA  NA  CRECHE  NÃO  GERA  INDENIZAÇÃO
(Ivan Pegoraro)



A criança ao ser matriculada na creche ou na escola regular tem como objetivo aprender e se socializar. Desde tenra idade passa então a conviver com todos os aspectos da sociedade, não só tendo contato como os adultos seus professores, como também com seus iguais, coleguinhas que ali estão consigo durante várias horas do dia. A personalidade vai se moldando desde cedo e reações de alegria, tristeza e até a agressividade devem ser recepcionadas com a naturalidade que merece. Os pais ao confiarem seus filhos a entidade espera o melhor, mas não se pode é acreditar piamente que situações não esperada possam deixar de acontecer como pequenas desavenças entre os infantes.  Numa determinada creche do Estado do Rio de Janeiro uma criança de dois anos mordeu o braço da outra da mesma idade. Aquilo que teria de ser recebido como uma situação absolutamente normal, teve uma reação desproporcional por parte da família da  criança mordida. A família se escandalizou. Foi o fim do mundo. Foi o suficiente para a judicialização do caso, ingressando os pais com ação de indenização contra a escola e os pais da criança que mordeu pleiteando danos morais de  vinte mil reais.  Os pais se transforam em figuras raivosas e o filho em mártir do sistema educacional. Onde já se viu, o filho ser mordido por outra criança da mesma idade !   Proposta a ação após a devida instrução, ficou realmente comprovado que a ocorrência se limitou a mordida da criança de dois anos.  Nada mais grave do que isso. A ação foi julgada improcedente e teve a juíza a clareza de afirmar que realmente houve nos autos prova da ocorrência, mas nada que tivesse extrapolado o absolutamente rotineiro, normal e comum ao dia a dia de crianças de dois anos de idade e que convivem juntas em uma creche, disputando brinquedos e até espaços. Disse ela em sua sentença  “Crianças dessa idade frequentemente adotam comportamentos que seriam inadmissíveis para crianças mais velhas ou adultos. Choram quando contrariadas, emburram, batem, gritam. E mordem”.   No texto constou ainda que nos registros da creche consta que este tipo de ocorrência é bastante comum já que em várias oportunidades, comunicou aos responsáveis que o menino havia sido mordido pelo colega “agressor” depois de bater, arranhar ou morder o outro. Completou ainda a juíza, “De fato, dói no coração da mãe receber o bebê no fim do dia com uma marca de mordida no seu bracinho. Certamente, a mãe da outra criança também sofreu ao ser informada de que o autor havida batido, ou arranhado, ou mordido seu filho. Mas o sofrimento faz parte do crescimento. Já diz o ditado, ser mãe é padecer no paraíso”.  A reação dos pais caracteriza uma infantilização e desse modo assoberbam o Poder Judiciário com ações infundadas, onde o âmago delas é unicamente o inconformismo com a infelicidade. Em outras palavras não pode haver incidentes com seu filho pequeno que deve crescer e ficar adulto sem ter a experiência do revés.  E se tiver, a Justiça deve se pronunciar.  Deve se pronunciar porque este filho a ser criado na redoma da proteção total deve ter direito à felicidade absoluta e como se o magistrado que ali está para apaziguar os abusos e desrespeito ao direito tivesse o poder de garantir a felicidade permanente e irrestrita a todas as pessoas que batem a sua posse. Segundo a juíza, adultos cada vez mais infantilizados assoberbam o Poder Judiciário com ações infundadas, cujo cerne é nada mais que um inconformismo com a infelicidade. Como se existisse um direito absoluto à felicidade e como se o juiz tivesse o poder de garantir essa felicidade permanente e irrestrita a todas as pessoas. Concluiu a juíza negando a indenização o seguinte: “Deste modo, a única resposta que o Estado Juiz tem a dar para o Autor e sua genitora é que a vida, e a infância, e a maternidade, são feitas de momentos bons e maus, felizes e tristes, alegrias e aborrecimentos, expectativas frustradas e superadas. Faz parte do crescer. Faz parte do maternal. E, por fim, se não se tem confiança na escola escolhida para o filho, o melhor caminho é escolher outra em que se consiga estabelecer esse sentimento tão importante.”   A rotina do cotidiano faz parte da formação. Talvez todo aquele sentimento de ódio carregado pelos pais do menino mordido, toda a indignação e inconformismo tenha feito muito mais mal ao pequeno do que o bem material poderia fazê-lo se tivessem vencido a demanda.  Os adultos devem se conter e acreditar que nem todo mal, faz mal; com certeza no dia seguinte as duas crianças estavam juntas, felizes enquanto os pais se corroíam de ódio e insensatez. E transferindo este sentimento negativo ao seu filho que no dia seguinte, nem mais se lembrava do episodio. (O processo tramitou em segredo de justiça numa das varas da infância do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro).