quarta-feira, 25 de setembro de 2019


A  Insegurança  e  a  Rescisão  do  Contrato  de 
Locação
Ivan Pegoraro

É possível a rescisão do contrato pelo locatário sob fundamento de que a casa foi assaltada uma ou mais vezes, caracterizando assim grave prejuízo aos seus interesses? Este drama não é raro e tem preocupado sobremaneira as pessoas ligadas à locação predial.  Cabe registrar por oportuno que o dever de prestar segurança aos cidadãos é do Estado, através de sua Polícia, Civil e Militar. O pretendente a locação de um imóvel, ao analisá-lo deve levar em conta as condições do mesmo dentro de um critério mais amplo, inclusive sua localização. Se o imóvel veio a ser assaltado até mais de uma vez, sem dúvida nenhuma até se compreende o estado de insatisfação do locatário em pretender rescindir o contrato. Contudo, se este imóvel possui as condições necessárias para a locação, como, muro, portão e outros equipamentos, periféricos estes que se espera de um imóvel normal, a rescisão somente poderá ocorrer, sem dispensa da multa, se houver concordância do locador.   Evidentemente que não estar-se-á aqui analisando se houve culpa do locatário na ocorrência dos furtos ou arrombamento, porquanto, ao justificar a insegurança, deverá demonstrar efetivamente a ocorrência do evento. Mas respondendo a pergunta inicial, a rescisão, neste momento, é decisão unilateral do locatário que por não mais lhe ser conveniente prosseguir com a locação, pretende romper o vínculo. Ele pode fazer isso, mas não há culpa concorrente do locador, tão pouco contempla a lei 8245/91 esta modalidade de evento para possibilitar tal mister, já que a segurança pública, como dito, é obrigação do Estado como entidade e não do locador. Em resumo, a rescisão do contrato por este motivo não isenta o locatário do pagamento da multa compensatória. A questão sob ponto de vistas de alguns juristas poderá ser polêmica, situando-se a necessária rescisão sob ponto de vista do motivo de força maior. Contudo o desequilíbrio social é tão patente que a segurança hoje é uma das maiores preocupações do brasileiro, de tal modo que será inaceitável a rescisão sob este fundamento com dispensa da multa.  Quem de sã consciência não se preocupa em ser assaltado ou ser alvo de alguma violência. Neste estado de coisa, conviver com a insegurança é a regra geral e não motivo de força maior.

sábado, 21 de setembro de 2019




A

MINHA REPÚBLICA
(Ivan Pegoraro)

Acácio a esquerda, Jamil a Direita
         
Euclides, nos braços. Eu a Direita
Rua XV 1820, ap. 7
Com o passar dos anos se intensificou muito as saudades que tenho da minha república, aquela sim imperava uma democracia envolvente nos tempo memoráveis dos anos de chumbo. Naquele tempo éramos,  todos por um,  embora o espaço do apartamento  não fosse assim tão extenso, é verdade. Cada um de nós respeitava o espaço do outro, mas se faltava pasta de dente, com certeza ali estava um companheiro para lhe oferecer a sua. O banheiro era único, mas com o tempo de convivência, enquanto um fazia aquilo o outro tomava banho e tudo era muito suportável. A porta fechada do quarto era sinal de respeito porque ali descansava (?) alguém que labutou o dia inteiro.  A sala de visita foi transformada em quarto para dois. O quarto de casal também era ocupado por dois. E em cada quarto pequeno, era ocupado por um. Nossa república com “r” minúsculo se localizava na Rua XV de Novembro n 1820, em Curitiba e morávamos em seis rapazes, todos estudantes universitários e um ou dois que foram substituídos no decorrer dos anos, profissionais bancários. O Mané Galli casou-se morando lá, e nunca mais o vi. Bancário era muito engraçado, de uma simplicidade envolvente. Acácia Correa Filho, formou-se em direito um poucos antes do que eu, sério, bom companheiro e continua na ativa na capital. Jorge Yared Filho, ambos éramos fanáticos por rádio. Ele trabalhou na rádio Colméia da União da Vitória, eu na antiga Auri Verdi aqui de Londrina. Fazíamos programa de rádio em um gravador portátil simulando uma versão verdadeira que eu apresentava para meu amigo Euclides Cardoso que era diretor da Rádio Guairacá (de Curitiba) na esperança de sermos aproveitados. Eu e Euclides éramos companheiros de sala no Curso de Direito da Faculdade de Direito de Curitiba, noturno,  e junto com o João Carlos Kormann, fazíamos um trio infernal.  Certo dia, Jorge Yared conseguiu se encaixar na Rádio Colombo  e logo depois numa certa manhã, recebi um recado do Euclides de que um locutor havia sido suspenso e eu seria aproveitado.  Fui igual um raio e chegando lá fui direto para o estúdio.  Fiquei fazendo locução uns 10 dias, mas acabei não sendo admitido não sei por que, penso que talvez estivesse tão nervoso que não atendi os interesses da rádio. Jorge continuou e dali galgou seu espaço da mídia Curitibana, inclusive sendo apresentador da TV Iguaçu.  Esteve alguns anos aqui em Londrina, numa loja de alimentação no Shopping Catuaí.  Mas voltando a nossa república, na sala tinha uma TV preto e branco. Não existia controle remoto naquele começo dos anos setenta, mas graça a engenhosidade do Jamil Benke que mora atualmente em Curitiba, conseguimos inventar um sistema altamente eficaz, principalmente para ser usado naqueles dias de inverno brabo quando ficavamos deitados no chão em cima de um cobertor e com outras cobertas até o queixo. Jamil encontrou um cabo de vassoura e em seguida desmontou um pregador de roupa. Juntos as duas peças do pregador na ponta do cabo em paralelo e enrolou com fita isolante. Assim sendo, sem precisar levantar, encaixava as duas peças em paralelo no botão que mudava o canal, e pronto, ninguém se descobria naquele frio. Fui o único que permaneceu todo o período sem mudar de república. Fui para lá nos primeiros dias de faculdade graças ao convite do Francisco Garcia Rodrigues, então bancário. O grupo já tinha cinco moradores contando com ele, e faltava um. Foi um achado posto que até então eu estava em um hotel. Chico como o chamava formou-se comigo também, na mesma turma e hoje também advoga na capital com grande sucesso. Continua tendo em super-bigode, mas agora branco. Pelo que sei, daquela turma todos se deram bem, pois o foco era alcançar a satisfação pessoal e profissional. Jamais houve qualquer tipo de contravenção naquele meio, exceto algumas bebedeiras perfeitamente normais.  Mas me lembro  muito bem de um episódio envolvendo o Acácio, já formado, no seu primeiro ano como advogado. De madrugada vi que ele se levantou e acordei e fui saber o que acontecia. Ele estava pondo gravata. Ao perguntar o porquê da gravata naquela hora, ele me respondeu: “- Estou indo para a delegacia soltar um cliente e sem a gravata posso também ficar preso.”  Nunca me esqueci disso. O advogado, pelo menos naquela época se identificava pela gravata.  Meu amigo Kormann, não morava conosco; já era casado, mas éramos muito ligados. Numa próxima oportunidade vou relatar uma viagem que fizemos à Porto Alegre.  Esta sim a nossa república, tão singela, inocente mesmo... que até hoje não consigo esquecer.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019


PROIBIÇÃO DE USO DAS ÁREAS DE LAZER PELO CONDÔMINO INADIMPLENTE
(Ivan Pegoraro)



          A questão é a seguinte: pode o condômino que está inadimplente ser proibido de usar qualquer área de lazer, notadamente a piscina ou a academia?   É bem verdade que houve algumas decisões judiciais de primeiro grau proibindo o uso, mas já neutralizadas por outras dos Tribunais Superiores.  Isso porque o artigo 1.336 do Código Civil Brasileiro determina quais as penalidades que pode sofrer o condômino que não paga o rateio mensal. E nele não consta esta proibição, que afinal restringe o direito de propriedade,  simples assim.  O parágrafo primeiro do referido dispositivo diz que o condômino inadimplente ficará sujeito aos juros moratórios convencionados, ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês, além da multa de até dois por cento sobre o débito. Não há previsão de impedimento de uso de qualquer parte que compõe o condomínio, notadamente das áreas de uso comum e lazer.  Mesmo que isso venha ser decidido em Assembleia, por maioria dos condôminos, não teria valor na medida em que o Código Civil, aos dispor sobre os seus direitos, quando quis restringir ou condicionar algum desses direitos, em razão e motivado por falta de pagamento, o fez de forma expressa na forma do que foi citado acima.  A Assembleia não pode se sobrepor a lei. Agora como deve ser penalizado o devedor que não paga seu débito?  Muito simples, as cotas condominiais são consideradas valor líquido e certo a ensejar a execução e a penhora do apartamento que gerou a dívida,  é a solução.  Cabe ressaltar a observação de que este apartamento não pode se beneficiar da regra da impenhorabilidade mesmo se tratando do único imóvel com a finalidade familiar, pois a dívida teria origem em função deste imóvel, conforme artigo 3º, item IV da Lei 8009/90 e também pelo que o novo código de processo civil estabelece no artigo 833, parágrafo primeiro: “A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição”.   Ou seja, em outras palavras bem simples. O Condomínio na pessoa de seu síndico, ao constatar a existência de débitos de um condômino, deve leva-lo à justiça para receber o crédito, sob pena de penhora do apartamento que gerou a dívida.  Jamais proibir o condômino de usar as áreas comuns.  O síndico que não toma essas providências, pode ser responsabilizado por má gestão e omissão propositada que venha causar prejuízos ao condomínio.



domingo, 15 de setembro de 2019


FAMÍLIA  SIMULTÂNEA – JÁ  É  UMA  REALIDADE


(Ivan Pegoraro)

O sujeito manteve uma relação extraconjugal há mais de trinta anos, gerando três filhos, o mesmo número que teve com sua esposa. Os seis filhos se conheciam e frequentavam até a mesma escola. A Companheira frequentava com o Companheiro a sociedade da cidade e até foram convidados para apadrinharem crianças e casais. Há fotos, vídeos, convites e inúmeras testemunhas, além de documentos públicos.  De repetente houve a separação e por uma questão meramente patrimonial o Companheiro não admitiu a participação da Companheira em seu acervo adquirido durante a constância daquela convivência. A tese da defesa deste homem foi pela impossibilidade jurídica de reconhecimento da união estável. Afinal, o Código Civil estabelece requisitos para tanto, sendo um deles a inexistência de impedimento para o casamento, conforme o parágrafo 1º do artigo 1.723. Contudo desta relação e neste processo,  reconheceu-se a figura jurídica da “família simultânea” mais comum do que nós os simples mortais pensamos existir. O casal envolvido neste caso transforma a chamada união paralela em união estável demonstrando uma relação perfeitamente idêntica a qualquer outro.  Há tolerância de ambos os lados. “São famílias formadas por livre escolha (com base no princípio da liberdade), têm como base o amor e geram filhos que são frutos dessa escolha”, conforme defendeu advogada Annita Beatriz Duda Santos no processo em que tal relação foi reconhecida.  Não é o caso daquela relação que vive na clandestinidade cujo Companheiro/a seria o/a amante. A união paralela constitui família e dentro do princípio da dignidade da pessoa humana assegurado pela Constituição Federal é que houve o reconhecimento do direito pleiteado pela Companheira, ficando-lhe assegurado 25% do patrimônio do seu Companheiro. O  processo que reconheceu este direito tramitou na comarca de Teixeira de Freitas, Bahia, em sua 2ª Vara Cível. Nesta relação esperava-se do Companheiro a honradez de admitir a existência de direitos àquela que também participou de sua vida durante trinta anos. Mas não, no momento crucial da separação, relegou na tese fria da lei a negativa da pretensão de sua Companheira, passando assim ao Estado-Juiz a análise das circunstâncias.  Foi aí que a dignidade da pessoa humana foi relevada. Mas cada caso deverá ser analisado separadamente. Neste, ficou evidente a existência das famílias simultâneas e daí o reconhecimento da união estável. Num momento da vida em que famílias estão se constituindo de todas as maneiras possíveis, não foi nada estranho este reconhecimento.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019


TESTEMUNHA  OCULAR  DE  UMA  TRAGEDIA
50  ANOS
DA  QUEDA  DO  VOO  555  DA  VASP  EM  LONDRINA

(Ivan Pegoraro)


Modelo do DC3 igual ao relatado neste artigo
Aquele dia 14 de setembro de 1969, domingo, amanheceu preguiçoso como todo final de inverno.  A temperatura estava quente e o clima seco. Naqueles dias, tinha-se de inventar o que fazer, pois as opções de lazer eram mínimas. Londrina naquela época tinha uma população estimada de 160.000 (cento e sessenta mil) pessoas. José Makiolke comandava na Rádio Alvorada um programa de enorme sucesso entre a rapaziada, chamado “Os Brotos Comandam” e a música mais tocada era “Sentado a Beira do Caminho” do Erasmo Carlos. Após tomar meu café em casa, funcionei meu JEEP DKW, de cor lilás, com as rodas amarelas fogo, com uma flor margarida pintada nas laterais dos para-choques e fui para o centro, estacionando em frente a Batavo, alí no começo da Avenida Paraná onde a turma se reunia. Por ali ficamos até por volta do meio dia. Em seguida o pessoal se dispersou havendo um ajuste tácito de todos se encontrarem novamente naquele local, a partir de quinta-feira, sempre após às 19:00 hs. Depois do almoço fui até a casa da Áurea na Avenida Santos Dumont, pois tínhamos combinado de ir assistir no Cine Augustus o filme, “Os Intrépidos Homens em Seus Calhambeques Maravilhosos” com Tony Curtis e projeção em 70 mm., com todo conforto do ar condicionado propagado nos anúncios do jornal Folha de Londrina. O filme começou às 14:30 e como era longa metragem, terminou por volta das 17:30. Voltamos para sua casa e ficamos por ali conversando e vendo televisão preto e branco dos programas da TV Coroada, afiliada então da Rede Tupi. Por volta das 18:30 hs, numa decolagem de rotina, ali perto no Aeroporto Santos Dumont uma avião da VASP, DC3, prefixo PP-SPP partia rumo a São Paulo levando a bordo 20 ocupantes entre passageiros e tripulantes. O avião fez escala em Londrina proveniente de Maringá e antes disso Campo Grande, com destino final em São Paulo.  Enquanto isso na casa  de Aurea, na sala de televisão, assistíamos os comentários e imagens do recente pouso do homem na lua e comíamos um saboroso bolo de fubá feito por sua mãe Waldy que gentilmente o preparou com esmero e muito prazer. Sua filha mais velha também Waldy e algumas amigas compartilhavam aqueles momentos de descontração. Certamente enquanto nos servíamos daquele bolo, Aníbal Ferreira, o comissário do voo oferecia aos seus passageiros aquelas delícias de aperitivos que a VASP tanto aprimorou, não importando se o trajeto era longo ou não. Se o tempo estava firme em Londrina, em São Paulo chovia e muito e isso preocupou demasiadamente o comandante do voo 555, pois com apenas uma hora de viagem, faltando ainda duas para chegar ao destino, na altura de Ourinhos, o motor esquerdo começou a ratear de forma intensa e constante. Ao perceber a irregularidade o comandante imediatamente “embandeirou” aquele motor e fez contato com ambas as torres de controle recebendo a informação de que em  São Paulo chovia muito e o céu totalmente encoberto, enquanto que Londrina continuava firme e com boa visibilidade.  Ourinhos não possuía sistema de balizamento noturno de modo que a alternativa foi retornar em direção à Londrina. Após comunicar a torre assim foi feito. Uma hora havia se passado desde que partira desta cidade. Certamente, o Comandante deve ser repassado aos passageiros informações a respeito dessa decisão, inclusive tranquilizando-os acerca do “embandeiramento”do motor esquerdo, manobra esta que permite o funcionamento das  hélices pela simples ação da velocidade aliada ao vento. Na verdade aquela decisão, embora trouxesse alguma preocupação, era uma manobra factível naqueles tempos de motor a pistão, com treinamento especifico dos pilotos de como se comportar e o que fazer nessa situação.   Comunicada a torre de controle de Londrina, o protocolo para este tipo de evento era declarar emergência e adotar de imediato certos tipos de procedimento, sempre admitindo-se a pior das possibilidades. Confirmado o retorno, a torre acionou o Corpo de Bombeiros noticiando a necessidade de sua presença na pista do aeroporto.  Enquanto isso na Avenida Santos Dumont, a mais ou menos 1 quilometro do terminal de passageiros,  eu me preparava para ir embora pois o relógio marcava 20:10 hs e no dia seguinte, de manhã, tínhamos aula de lógica e psicologia no curso do 3º Clássico do Colégio Vocacional do Instituto Filadélfia situado na Avenida J.K onde hoje funciona a Unifil. Já na porta de saída da casa de Aurea eis que todos na sala começam a ouvir as sirenes dos caminhões do Corpo de Bombeiros, que se dirigiam a toda velocidade em direção ao aeroporto no final da Avenida Santos Dumont. Importante mencionar aqui que naquela época o aeroporto não contava com brigada de incêndio, de modo que em emergências como essa o Corpo de Bombeiros da cidade era convocado para prestar os serviços que fossem necessários. A curiosidade neste caso sempre era muito grande com muitos veículos seguindo os caminhões para seus passageiros acompanharem de perto os acontecimentos. Minha decisão ao ver aquela movimentação foi seguir atrás também já que naquele horário, certamente algo estava para acontecer. Aurea decidiu ir também, enquanto que as demais amigas resolveram ficar. No avião,  as luzes da cidade de Londrina já estavam próximas, anunciando o Comandante que o pouso seria realizado sem maiores preocupações, devendo afivelarem seus cintos de segurança. Levamos cerca de três minutos para chegar ao aeroporto e do lado esquerdo do terminal, onde hoje ainda existe um alambrado e um portão, nos deparamos com o acesso a pista todo aberto em função das viaturas dos bombeiros que por ali ingressaram. Entrei também e imediatamente após o acesso, cerca de 20 metros do portão, estacionei liberando porém a saída.  As viaturas estavam à margem da pista, mais ou menos em sua metade com as luzes vermelho e azul intermitentes. Tão logo descemos do Jeep, já vimos aquele enorme DC3 se preparando para aterrisagem, fazendo a aproximação ao que pareceu aos leigos, sem maiores problemas. Ninguém por ali sabia ainda que o motor esquerdo estava “embandeirado”.  Vinha descendo, normal, com o rugido do motor constante e firme. De repente, mais ou menos 30 metros de altura da pista e uns 80 metros, talvez 100 do seu início, o motor urra e ao invés de descer, o comandante arremete cuja manobra até hoje não se consegue a explicação cabal. Se simplesmente tivesse apagado o motor direito, a aeronave teria planado e descido sem nenhum revés. Ao arremeter, estávamos mais ou menos uns cem metros da pista, na lateral, vimos os rostos das pessoas olhando pelas janelas, possivelmente surpresas pela decisão do comandante de abortar a aterrissagem. As luzes do interior do avião estavam acessas. Urrando com seu único motor o avião começou a subir e se distanciar da pista. Em seguida, talvez a um quilómetro da cabeceira começou a fazer uma curva a esquerda, inclinando a asa.  Eu e Áurea, além dos demais espectadores que estavam ali e com toda certeza os bombeiros, e a torre e demais funcionários, acreditou que a manobra seria concluída com sucesso porquanto o pior teria passado que foi exatamente a arremetida inesperada.  Mas não foi isso que aconteceu! Tão logo começou a curva a esquerda, o avião, aquele enorme pássaro do ar feito de alumínio, girou completamente num ângulo de 90 graus, com o seu dorso virado para o aeroporto, e simplesmente despencou em direção ao solo.  Apenas tivemos tempo de dizer: “caiu!!!”.  Primeiro o clarão como se fosse um relâmpado. Depois o estrondo como se fosse uma bomba. Jamais havia visto,  assim como nunca mais vi,  um avião com o bico para o chão e o dorso virado para teu lado. As viaturas de imediato giraram e passaram por mim como um raio, enquanto que também com a mesma rapidez funcionei meu DKV e parti atrás dos caminhões.  A queda ocorreu onde era o horto florestal, perto do então Hospital de Tuberculose, hoje Hospital Universitário. Chegamos ao local junto com os Bombeiros que ainda estendiam as mangueiras para combater o incêndio. As labaredas não eram extensas e pessoal se movimentavam junto a uma das asas da aeronave tentando movê-la, não sei se para tentar salvar alguém ou pelo simples desejo de fazer alguma coisa. Ao se aproximar dos destroços, vi e esta cena está amarguradamente cravada na minha memória de onde jamais se desprendeu, dois ou três corpos no chão,  fumegantes, nus e os braços em posição de boxeador. Num primeiro momento não consegui entender aquilo, tamanho era o desespero. Por que nus? Por que soltavam fumaça? Por que aquela posição?  Alguns estampidos foram ouvidos e os gritos dos bombeiros e o lamento das pessoas que por ali estavam para ajudar.  Tentamos pensar em algum tipo de ajuda, quando então um oficial ali chegou e deu ordem para nos afastarmos, nós e outras pessoas que estavam próximas dos escombros sob alerta de que poderia haver mais explosões. Atendemos ao comando, retornamos ao Jeep, e após alguns momentos da mais pura incompreensão, funcionei o mesmo, fiz a manobra de retorno e deixei Aurea em casa. Somente depois disso consegui entender que os corpos estavam nus porque o fogo havia queimado as suas roupas;   estavam fumegando porque este mesmo fogo havia derretido as suas peles e as suas gorduras. E somente no ano seguinte, 1970, cursando o primeiro ano do Direito em Curitiba, na aula de Medicina Legal vim a entender aquela posição dos corpos.  Quando o corpo humano sofre uma ação intensa no fogo, chama-se isso de carbonização, com redução do volume corporal e redução da estatura de 100 a 120 cm. O corpo toma a posição de lutador de boxe, com semiflexão dos membros superiores e inferiores e dedos em garra. Foi o que vi e então entendi.  Houve um único sobrevivente que morreu dois dias depois na Santa Casa. Aquele simpático comissário que mencionei no início sofreu queimaduras tão graves, tão intensas, que seu corpo chegou a encolher, segundo o jornal da época. Pesquisei junto ao Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos as causas deste acidente. Na página  http://www2.fab.mil.br/cenipa/ consta um campo para pesquisar  a ocorrência dos acidentes em todo país, inclusive o resultado da investigação. Clica-se em “investigação” . Aparecem relatórios finais. Encontrei do ano de 1969 um único acidente, que não se refere a este relatado.  Londrina ingressou no ano de 1969 no universo dos grandes acidentes aéreos. Nunca mais estive no local da queda onde era o Matadouro Municipal. Fui lá esta semana e fiquei arrepiado pois cinquenta anos depois, exatamente o local da queda está preservado; uma quadra inteira cercada de arame farpado e é de propriedade da Aeronáutica.  Interessante como o silêncio ali é paupável.  Na área demarcada e mostrada abaixo, bem no seu lado esquerdo parei o meu Jeep. A rampa do Matadouro no lado direito da área ainda existe. Porque este avião caiu? Mas ficam ainda, cinquenta nos depois, no dia da publicação em rede social deste pequeno artigo, as dúvidas, principalmente os motivos que levaram o comandante a arremeter aquele avião quando estava preste a tocar o solo. Talvez jamais saibamos assim como jamais irei esquecer a tragédia daquele voo.  A Torre de Controle perguntou ao piloto quando houve o início da abortagem: "- Tudo bem?" Ao que respondeu o comandante: "- Tudo Certo". Insistiu a Torre: "-Mas tudo bem mesmo" Neste momento exato o avião embicou e a resposta não chegou a ser ouvida.  A partir dalí, o silêncio e as chamas.      Agradeço as pessoas que me ajudaram neste artigo: Angelita Prado que compartilhou comigo as pequisas na UEL; Cirilo Soares na busca do local da queda.

Rua Emílio Aranda Esquina com a Rua Dom João VI
Meu Jeep era muito parecido com este. Fonte: Google

Vista aérea do local do impacto obtida pelo Google
Mapa do Local do Impacto - Fonte: Google





quarta-feira, 4 de setembro de 2019


LOCAÇÕES DE CURTO PRAZO ou SHORT STAY
Ivan Pegoraro




 
Tem se percebido a intensificação de uma nova modalidade de locação, denominada de Short Stay ou seja de curto prazo, normalmente angariada através de sites especializados.  Por intermédio desta plataforma digital o pretendente analisa as condições do apartamento e fecha a locação, ocupando a unidade durante um pequeno prazo, muitas vezes por dias ou semanas.  Tal prática recorrente causa ao condomínio uma suposta situação de incerteza com relação ao efetivo morador, além de prejudicar sobremaneira a segurança e até o sossego dos condôminos. De repente os moradores se vêm convivendo na piscina ou nas salas de jogos e ou academia com um verdadeiro estranho, substituído logo depois por outro também desconhecido.  Esta modalidade de  ocupação é de certo modo uma novidade no conceito a ser aplicado ao condomínio, muito embora não o seja na lei de locação, que prevê a sua possibilidade quando por temporada; com efeito, o artigo 48 da lei 8.245 dispõe o seguinte: “considera-se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel”.  Observa-se portanto que essas locações de curto prazo, mesmo por um final de semana tem permissivo legal no diploma que regulamenta as locações prediais, e qualquer empecilho que o Condomínio venha a criar para admitir o ingresso do locatário no prédio, desde que autorizado evidentemente, estará criando um obstáculo ilegal sujeito a penalização através de medidas judiciais que poderão ser proposta pelo proprietário, locador, embasado no direito de propriedade e na própria legislação locatícia que permite este tipo de ocupação. O tema ainda é uma novidade, mas a despeito dos argumentos dos condôminos acerca da insegurança, sossego comprometido entre outros, a lei a princípio está acima dessas preocupações e não há direito que impeça este tipo de locação.  Qualquer impedimento neste sentido somente com alteração legislativa prevendo esta modalidade de ocupação, ou Short Stay , para prédios construídos para esta finalidade.  Não creio que isso acontecerá. Contudo é importante esclarecer a existência das primeiras decisões dos Tribunais acerca deste assunto. Especificadamente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo  que em recente decisão deferiu uma liminar impedindo o proprietário de continuar alugando seu imóvel deste forma, entendendo que estava impondo ao Condomínio um sistema de hospedaria e hotelaria híbrida, portanto irregulat. Enfim cada caso é um caso e deve ser analisado à luz dos acontecimentos.