Com o passar dos anos se intensificou muito as saudades que
tenho da minha república, aquela sim imperava uma democracia envolvente nos
tempo memoráveis dos anos de chumbo. Naquele tempo éramos, todos por um, embora o espaço do apartamento não fosse assim tão extenso, é verdade. Cada
um de nós respeitava o espaço do outro, mas se faltava pasta de dente, com
certeza ali estava um companheiro para lhe oferecer a sua. O banheiro era
único, mas com o tempo de convivência, enquanto um fazia aquilo o outro tomava banho
e tudo era muito suportável. A porta fechada do quarto era sinal de respeito
porque ali descansava (?) alguém que labutou o dia inteiro.A sala de visita foi transformada em quarto
para dois. O quarto de casal também era ocupado por dois. E em cada quarto
pequeno, era ocupado por um. Nossa república com “r” minúsculo se localizava na
Rua XV de Novembro n 1820, em Curitiba e morávamos em seis rapazes, todos
estudantes universitários e um ou dois que foram substituídos no decorrer dos
anos, profissionais bancários. O Mané Galli casou-se morando lá, e nunca mais o
vi. Bancário era muito engraçado, de uma simplicidade envolvente. Acácia Correa
Filho, formou-se em direito um poucos antes do que eu, sério, bom companheiro e
continua na ativa na capital. Jorge Yared Filho, ambos éramos fanáticos por
rádio. Ele trabalhou na rádio Colméia da União da Vitória, eu na antiga Auri
Verdi aqui de Londrina. Fazíamos programa de rádio em um gravador portátil
simulando uma versão verdadeira que eu apresentava para meu amigo Euclides
Cardoso que era diretor da Rádio Guairacá (de Curitiba) na esperança de sermos
aproveitados. Eu e Euclides éramos companheiros de sala no Curso de Direito da
Faculdade de Direito de Curitiba, noturno, e junto com o João Carlos Kormann, fazíamos um
trio infernal.Certo dia, Jorge Yared
conseguiu se encaixar na Rádio Colombo e logo depois numa certa manhã, recebi um
recado do Euclides de que um locutor havia sido suspenso e eu seria
aproveitado.Fui igual um raio e
chegando lá fui direto para o estúdio.Fiquei fazendo locução uns 10 dias, mas acabei não sendo admitido não
sei por que, penso que talvez estivesse tão nervoso que não atendi os
interesses da rádio. Jorge continuou e dali galgou seu espaço da mídia Curitibana,
inclusive sendo apresentador da TV Iguaçu.Esteve alguns anos aqui em Londrina, numa loja de alimentação no
Shopping Catuaí. Mas voltando a nossa
república, na sala tinha uma TV preto e branco. Não existia controle remoto
naquele começo dos anos setenta, mas graça a engenhosidade do Jamil Benke que
mora atualmente em Curitiba, conseguimos inventar um sistema altamente eficaz,
principalmente para ser usado naqueles dias de inverno brabo quando ficavamos
deitados no chão em cima de um cobertor e com outras cobertas até o queixo.
Jamil encontrou um cabo de vassoura e em seguida desmontou um pregador de
roupa. Juntos as duas peças do pregador na ponta do cabo em paralelo e enrolou
com fita isolante. Assim sendo, sem precisar levantar, encaixava as duas peças
em paralelo no botão que mudava o canal, e pronto, ninguém se descobria naquele
frio. Fui o único que permaneceu todo o período sem mudar de república. Fui
para lá nos primeiros dias de faculdade graças ao convite do Francisco Garcia
Rodrigues, então bancário. O grupo já tinha cinco moradores contando com ele, e
faltava um. Foi um achado posto que até então eu estava em um hotel. Chico como
o chamava formou-se comigo também, na mesma turma e hoje também advoga na
capital com grande sucesso. Continua tendo em super-bigode, mas agora branco.
Pelo que sei, daquela turma todos se deram bem, pois o foco era alcançar a satisfação
pessoal e profissional. Jamais houve qualquer tipo de contravenção naquele
meio, exceto algumas bebedeiras perfeitamente normais.Mas me lembro muito bem de um episódio envolvendo o Acácio,
já formado, no seu primeiro ano como advogado. De madrugada vi que ele se
levantou e acordei e fui saber o que acontecia. Ele estava pondo gravata. Ao
perguntar o porquê da gravata naquela hora, ele me respondeu: “- Estou indo
para a delegacia soltar um cliente e sem a gravata posso também ficar preso.”Nunca me esqueci disso. O advogado, pelo
menos naquela época se identificava pela gravata.Meu amigo Kormann, não morava conosco; já era
casado, mas éramos muito ligados. Numa próxima oportunidade vou relatar uma
viagem que fizemos à Porto Alegre.Esta
sim a nossa república, tão singela, inocente mesmo... que até hoje não consigo
esquecer.
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