domingo, 3 de novembro de 2019


MORDIDA  NA  CRECHE  NÃO  GERA  INDENIZAÇÃO
(Ivan Pegoraro)



A criança ao ser matriculada na creche ou na escola regular tem como objetivo aprender e se socializar. Desde tenra idade passa então a conviver com todos os aspectos da sociedade, não só tendo contato como os adultos seus professores, como também com seus iguais, coleguinhas que ali estão consigo durante várias horas do dia. A personalidade vai se moldando desde cedo e reações de alegria, tristeza e até a agressividade devem ser recepcionadas com a naturalidade que merece. Os pais ao confiarem seus filhos a entidade espera o melhor, mas não se pode é acreditar piamente que situações não esperada possam deixar de acontecer como pequenas desavenças entre os infantes.  Numa determinada creche do Estado do Rio de Janeiro uma criança de dois anos mordeu o braço da outra da mesma idade. Aquilo que teria de ser recebido como uma situação absolutamente normal, teve uma reação desproporcional por parte da família da  criança mordida. A família se escandalizou. Foi o fim do mundo. Foi o suficiente para a judicialização do caso, ingressando os pais com ação de indenização contra a escola e os pais da criança que mordeu pleiteando danos morais de  vinte mil reais.  Os pais se transforam em figuras raivosas e o filho em mártir do sistema educacional. Onde já se viu, o filho ser mordido por outra criança da mesma idade !   Proposta a ação após a devida instrução, ficou realmente comprovado que a ocorrência se limitou a mordida da criança de dois anos.  Nada mais grave do que isso. A ação foi julgada improcedente e teve a juíza a clareza de afirmar que realmente houve nos autos prova da ocorrência, mas nada que tivesse extrapolado o absolutamente rotineiro, normal e comum ao dia a dia de crianças de dois anos de idade e que convivem juntas em uma creche, disputando brinquedos e até espaços. Disse ela em sua sentença  “Crianças dessa idade frequentemente adotam comportamentos que seriam inadmissíveis para crianças mais velhas ou adultos. Choram quando contrariadas, emburram, batem, gritam. E mordem”.   No texto constou ainda que nos registros da creche consta que este tipo de ocorrência é bastante comum já que em várias oportunidades, comunicou aos responsáveis que o menino havia sido mordido pelo colega “agressor” depois de bater, arranhar ou morder o outro. Completou ainda a juíza, “De fato, dói no coração da mãe receber o bebê no fim do dia com uma marca de mordida no seu bracinho. Certamente, a mãe da outra criança também sofreu ao ser informada de que o autor havida batido, ou arranhado, ou mordido seu filho. Mas o sofrimento faz parte do crescimento. Já diz o ditado, ser mãe é padecer no paraíso”.  A reação dos pais caracteriza uma infantilização e desse modo assoberbam o Poder Judiciário com ações infundadas, onde o âmago delas é unicamente o inconformismo com a infelicidade. Em outras palavras não pode haver incidentes com seu filho pequeno que deve crescer e ficar adulto sem ter a experiência do revés.  E se tiver, a Justiça deve se pronunciar.  Deve se pronunciar porque este filho a ser criado na redoma da proteção total deve ter direito à felicidade absoluta e como se o magistrado que ali está para apaziguar os abusos e desrespeito ao direito tivesse o poder de garantir a felicidade permanente e irrestrita a todas as pessoas que batem a sua posse. Segundo a juíza, adultos cada vez mais infantilizados assoberbam o Poder Judiciário com ações infundadas, cujo cerne é nada mais que um inconformismo com a infelicidade. Como se existisse um direito absoluto à felicidade e como se o juiz tivesse o poder de garantir essa felicidade permanente e irrestrita a todas as pessoas. Concluiu a juíza negando a indenização o seguinte: “Deste modo, a única resposta que o Estado Juiz tem a dar para o Autor e sua genitora é que a vida, e a infância, e a maternidade, são feitas de momentos bons e maus, felizes e tristes, alegrias e aborrecimentos, expectativas frustradas e superadas. Faz parte do crescer. Faz parte do maternal. E, por fim, se não se tem confiança na escola escolhida para o filho, o melhor caminho é escolher outra em que se consiga estabelecer esse sentimento tão importante.”   A rotina do cotidiano faz parte da formação. Talvez todo aquele sentimento de ódio carregado pelos pais do menino mordido, toda a indignação e inconformismo tenha feito muito mais mal ao pequeno do que o bem material poderia fazê-lo se tivessem vencido a demanda.  Os adultos devem se conter e acreditar que nem todo mal, faz mal; com certeza no dia seguinte as duas crianças estavam juntas, felizes enquanto os pais se corroíam de ódio e insensatez. E transferindo este sentimento negativo ao seu filho que no dia seguinte, nem mais se lembrava do episodio. (O processo tramitou em segredo de justiça numa das varas da infância do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro).

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